Tradução: início
Manhã de sábado, em Roma.
[ Por João Miguel ]
Dei mais uma volta ao quarteirão na esperança de fazer mais tempo antes de regressar ao meu inferno pessoal, sentia o meu corpo gelado e já tinha deixado de sentir a ponta dos dedos, olhei para o céu que estava pintado de vários tons cinza, este estava revestido de nuvens bem escuras que parecia que iam desabar num forte choro em qualquer instante, enquanto caminhava pela rua esfregava com força as mãos uma contra a outra na tentativa de as aquecer nem que fosse um pouco.
Tinha-me conseguido esquivar da festa de sexta-feira à noite, ao dormir num banco de jardim, mas se ficasse mais tempo na rua ia congelar já não conseguia aguentar o frio daquele rigoroso inverno, a minha fina camisa e as minhas velhas calças de ganga nada podiam contra a forte geada noturna. Mas assim que eu entrasse naquela maldita casa já não tinha como sair dela e não teria como fugir de hoje à noite. Eu não tenho grandes opções ou morro congelado ou volto para lá.
Sei que devem estar a pensar que estou a fazer drama e que não deve ser assim tão mau viver com os meus pais, na verdade não é mau, é um completo inferno não há uma única noite em que não apanhe da minha mãe, mas o pior são as festas de sexta e sábados à noite onde vêm os “amigos” dos meus pais que não passam de um monte de drogados e bêbados que muitas das vezes pagam aos meus pais para puderem atormentar-me.
Entrei em casa de fininho para esgueirar-me para o meu “quarto” sem que eles dessem conta e me deixassem em paz pelo menos uma vez.
Ao passar pelo corredor ouvi um estrondo que vinha da sala, não contive a minha curiosidade e voltei para trás, como a porta estava um pouco aberta espreitei pela greta.
A sala estava cheia de homens que mais pareciam armários com músculo, vestidos da cabeça aos pés de preto e armados até aos dentes. No velho e gasto sofá estavam os dois demónios com uma arma apontada à cabeça.
Boa, aqueles dois tinham-se metido noutra merda e esta aparentava ser muitíssimo grave.
- Eu vou perguntar de novo onde, e espero uma resposta concreta. Onde ele está?
Era a voz de uma mulher, consegui vê-la quando caminhou até ao meio da sala, vestia uma gabardine preta até aos joelhos e estava calçada com uns stilettos vermelhos mas da forma em que estava posicionada não consegui ver o seu rosto.
- Já disse que ele saiu ontem para a escola e ainda não voltou! - Respondeu o meu pai.
- Esperam mesmo que eu acredite que não fazem a mínima ideia de onde está o vosso filho, menor?!
- Eu espero que esteja morto em alguma vala por aí. - Adoro o amor que a minha “mãe” tem por mim.
- Nós tínhamos um acordo senhorita Clark. - A mulher da gabardine falou enquanto ironizava a palavra senhorita. - Mas sem a moeda de troca creio que não há acordo.
- Merda... Eu sou a moeda de troca tenho que sair daqui o mais rapidamente possível, se eles criaram o problema eles que o resolvam sozinhos.
Quando dei alguns passos para trás sem me dar conta bati numa floreira que estava no corredor com um vaso em cima, o vaso caiu fazendo um grande estrondo, eu arregalei os olhos e corri sem pensar duas vezes em direção à casa de banho, tranquei a porta, olhei para as minhas mãos que não paravam de suar. A minha única saída agora era a janela mas ela estava emperrada e ia custar a abrir... Enquanto tentava a todo o custo abrir a janela alguém bateu na porta. Eu não respondi.
- Sei que estás aí! Nós podemos fazer isto da forma fácil ou difícil garoto, mas essa porta vai ser aberta. Como vai ser? - Era a voz da mulher que estava na sala, continuei calado.
- Quer que eu arrombe a porta, senhora Bertolini? - Agora era a voz de um homem a falar.
- Calma acho que não vai ter necessidade disso. — Ouvi ela falar. - Não é garoto? Vais abrir a porta e ninguém se chateaia. — Eu precisava de mais tempo para abrir o raio da janela.
- Porque eu iria abrir a porta? - Gritei enquanto empurrava o postigo.
- Porque se não abrires eu mesma vou abrir, e se for eu a abrir podes ter a certeza que as coisas vão ficar feias para o teu lado.
- Elas não estão já? Se não reparou tenho uma mulher armada atrás de mim.
- Eu não te vou fazer mal. - Revirei os olhos. Claro que não só vai me dar um tiro no meio da testa. Eu fiz mais um pouco de força e a janela começou a abrir.
- Abre a porta, a minha paciência não é infinita garoto! Vou contar até 3 para abrires, se não abrires vou entrar.
- 1 … - Merda, merda!!
- 2 ... e 3.
Assim que ela disse o três a janela abriu e sem pensar muito saltei, ouvi um estrondo mas não olhei para trás só comecei a correr.
Na minha ânsia de fugir não consegui parar a tempo antes de chocar contra um homem que apareceu no meu caminho, caí com tudo no chão, a pancada foi tão forte que fiquei meio tonto e não me consegui levantar.
Abri os olhos e olhei para o lado e a última coisa que vi foi os stilettos vermelhos.
(...)
Sentia o meu corpo um pouco dolorido.
Abri os meus olhos e dei conta que estava deitado numa enorme e confortável cama que era bem diferente do meu velho e pequeno colchão que ficava no chão do meu minúsculo quarto.
Olhei em redor e fiquei maravilhado com o luxuoso quarto à minha frente, onde raio é que eu estou? As lembranças começaram a voltar, "stilettos vermelhos".Ooh merda, eu tenho que sair daqui. O quarto tinha umas janelas enormes, fui na direção delas e olhei para baixo.
- Merda, muito alto para saltar... Como é que eu vou sair daqui? - Pensei alto.
- Primeiro... — Dei um pulo quando ouvi a voz dela, engoli seco e virei o meu corpo na sua direção, ela estava sentada numa poltrona num canto do quarto. - Eu não gosto de garotos malcriados na minha casa, a próxima vez que sair um palavrão dessa boca eu lavo-a com sabão. — Senti o meu lábio tremer, queria lhe responder mas quando olhei para os olhos azuis metálicos dela não consegui produzir som algum, algo nela gritava perigo.
- Segundo… - Ela levantou-se foi até à porta e abriu-a.
- Se querias sair era só abrir a porta.
Senti as minhas bochechas queimarem de vergonha. Ficou um silêncio até que ela voltou a fechar a porta.
- Bom, depois desta patética cena, vamos a um assunto mais interessante o quarto agrada-te?!
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